Em sua homilia desse último domingo, Pe. Rodrigo Hurtado LC faz uma reflexão sobre o trecho do Evangelho que traz a famosa cura do cego Bartimeu e nos ajuda a compreender que também nós podemos estar cegos para determinados pontos em nossa vida, mas Jesus também quer nos curar.

Essa passagem do Evangelho pode trazer muitas interpretações, mas o padre quer se deter no fato geral da cegueira. Existe uma cegueira física, como vemos nesse trecho do Evangelho, mas existe também uma cegueira espiritual. A cegueira espiritual radical é ter olhos somente para ver as coisas físicas desse mundo natural e não se dar conta de que, por detrás de toda essa grandeza, está a mão de Deus, o amor de Deus, Sua sabedoria.

Contudo, lembra o padre, ainda que não sejamos espiritualmente cegos na totalidade, normalmente temos alguns pontos cegos, ou seja, temos áreas em nossa vida que não conseguimos enxergar direito. É importante identificarmos esses pontos cegos, porque existem só duas coisas que são destruidoras em nossa vida. A primeira é o desânimo, pelo qual eu desisto de lutar, eu jogo a toalha e me entrego ao pecado porque desanimei. Isso é aquilo que Jesus chama de pecado contra o Espírito Santo. E, a segunda coisa é o engano, ou seja, achar que estamos fazendo a coisa correta, mas não estamos. E os pontos cegos estão justamente aí, nesse segundo ponto.

Pe. Rodrigo nos recorda que muitas das ideias ou dos pensamentos que vêm em nossa mente não são verdadeiros. Podemos estar convencidos de que seja assim, e não é. Também, muitos dos sentimentos que vêm à mente, não são verdadeiros. Podemos agir movidos por um sentimento, achando que estamos sendo autênticos, verdadeiros, coerentes, mas o sentimento é errado.

Não são poucas as vezes em que fazemos algo que pensamos ser o correto e, depois, vemos as consequências e percebemos que são erradas. Primeiro porque não conhecemos 100% dos fatos, ou porque nosso juízo é subjetivo ou, ainda, porque não conhecemos as consequências de nossas decisões ou ações.

Os pontos cegos possuem duas coisas ruins. Primeiro, eles estão relacionados às nossas fraquezas, às coisas que prejudicam nossa vida e a segunda característica é que são cegos, e portanto, não os identificamos.

Não há nada mais enganoso e irremediável do que o coração humano, e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?

Jeremias 17, 9

Esse versículo é forte, mas é verdadeiro. Nem tudo o que se passa em nosso coração é o certo, porque temos a ferida do pecado original. Nós precisamos ter uma sadia desconfiança de nós mesmos e estarmos constantemente revisando e buscando a vontade de Deus.

Um pouco de cegueira todos nós temos, reforça o padre. Nós não somos bons juízes de nós mesmos. Nós sempre nos justificamos e olhamos as coisas sempre a partir do nosso ponto de vista.

A Inveja

A inveja é um dos primeiros pontos cegos que podemos ter em nossa vida. Ela é muito mais presente em nossa vida do que estamos dispostos a admitir. Nós sempre queremos saber o que as outras pessoas estão fazendo. Como é a vida dos outros. Esse desejo não necessariamente é ruim. Se vejo alguém que tenha sucesso ou que seja sábio, eu posso buscar esse ponto de referência, mas quando nessa comparação entra o espírito do mal, aí está o ponto cego.

Quando sentimos tristeza quando vemos que outra pessoa está indo bem, aí está a inveja. Da mesma, forma, quando vemos que a outra pessoa está em dificuldades, e nos alegramos, aí também entrou o espírito do mal, aí entrou a inveja.

Vi eu que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja que o homem tem do seu próximo. Também isso é vaidade e desejo vão.

Eclesiates 4, 4

Essa frase de Salomão, um dos homens mais sábios de toda a história, nos mostra como a inveja está arraigada em todas as sociedades e em todos os tempos. O problema com a inveja é que ela destrói nossa vida. Vemos as consequências da inveja todos os dias nas notícias.

Caim matou Abel por inveja. José foi vendido pelos seus irmãos por inveja. O rei Saul tentou matar Davi porque invejava sua popularidade. O próprio Jesus foi crucificado pela inveja dos sacerdotes e fariseus.

Outras vezes, a inveja nos impulsiona a fazer coisas boas, mas com intenção desvirtuada: fazemos o bem só para competir, para aparentar, para deixar no ridículo os outros, para conseguir o aplauso do público ou ter uma opinião pública favorável. Aí perdemos todo o mérito daquela boa obra, porque a intenção estava contaminada pela inveja.

«A inveja afasta o foco de nossa vida do projeto de Deus», diz o Pe. Rodrigo. Quando fico pensando no porquê eu não sou como aquela outra pessoa, estou desprezando o projeto de Deus para minha vida. A inveja é um insulto, é como falar a Deus que Ele não nos tenha feito direito.

Deus não faz coisa errada! Ele nos criou como uma obra prima. O que pode acontecer é que não estejamos realizando o projeto que Deus tem para nós e estejamos desperdiçando nossa vida, mas a solução para isso não é buscar ser como outra pessoa, temos que ir em busca de nosso próprio propósito, de nosso próprio projeto de vida.

Porventura o barro pode reclamar ao oleiro: ‘Que é isto que estás modelando?’ Será que a obra que fazes pode protestar?

Isaias 45, 9

A inveja está inclusive nos mandamentos. O último mandamento é «Não cobiçarás a mulher de teu próximo» (Dt 5, 21). Não cobiçar é um outro termo para falar da inveja. E esse mandamento não é direcionado só à mulher, mas também à casa do próximo, seu carro, seu dinheiro, seus talentos…

A inveja produz quatro coisas ruins em nossa vida. Em primeiro lugar, nega a singularidade da obra de Deus. Em segundo lugar, a Inveja divide nossa atenção. Em terceiro lugar, ela desperdiça nosso tempo e nossa energia. E, por fim, a inveja destrói nossa felicidade.

A paz de espírito é saúde para o corpo, mas a inveja corrói como o câncer. 

Provérbios 14, 30

Querer agradar os outros

Esta é outra coisa que é muito natural. Todos nós queremos agradar as outras pessoas. Todos nós queremos amar e ser amados. Esse é o desejo mais profundo do coração humano. Inclusive, esse ânimo, essa confiança que as outras pessoas depositam em nós é muito boa. O problema está quando a busca dessa aceitação se torna uma obsessão em nossa vida. Esse é outro ponto cego.

Muitas de nossas decisões estão influenciadas por isso. As grandes decisões de nossa vida: o lugar onde moramos, a carreira que estudamos… ou mesmo as decisões menores, como a coloração do cabelo, a roupa, uma tatuagem. O padre se recorda de uma frase que ouviu que dizia o seguinte: «Eu não sei o caminho do sucesso, mas sei o caminho do fracasso que é tentar agradar a todos».

O medo do homem é uma armadilha; mas o que confia no Senhor está seguro.

Provérbios 29, 25

Esse medo do homem ao que se refere o livro dos Provérbios é o medo do que os homens vão pensar de nós. O lado obscuro desse desejo de agradar os homens é o temor da desaprovação, e isso nos afasta terrivelmente da vontade de Deus.

Paulo, em seu ministério, estava concretamente focado em agradar a Deus e não aos homens, e inclusive repreende aos Gálatas, sem medo de ganhar a desaprovação deles:

Porventura, procuro eu agora o louvor dos homens ou aprovação de Deus? Ou estou tentando ser apenas agradável às pessoas? Se ainda estivesse buscando agradar a homens, não seria servo de Cristo!

Gálatas 1, 10

O Egoísmo

O egoísmo está na base de todos os pontos cegos, contudo, aqui vemos a ele como a incapacidade de ver as preocupações, as necessidades, os interesses das pessoas. Quando eu sofro desse ponto cego, eu não vejo coisas além dos meus próprios interesses, além de minhas próprias necessidades.

Nós vemos esse egoísmo no evangelho de hoje, do cego Bartimeu. Todo o povo que está ao redor de Jesus tentava fazer calar o cego e não queria que perturbasse Jesus. Queriam a Jesus só para eles e não queriam que aparecesse a dor humana, a pobreza, o sofrimento… era incômodo.

Temos que ter olhos para ver o quanto nossa vida é movida pelo egoísmo e não vemos as necessidades do outro.

Cada um zele, não apenas por seus próprios interesses, mas igualmente pelos interesses dos outros.

Filipenses 2, 4

Essa frase é todo um projeto de vida, pensar nos interesses dos outros e não nos meus interesses. Quando nascemos e somos bebês, toda nossa vida está concentrada em nós mesmos e nossas necessidades, porque logicamente somos incapazes, mas, à medida que vamos crescendo e amadurecendo, o processo que tem que acontecer é que, pouco a pouco, vou deixando meus interesses e vou sendo capaz de pensar mais nos interesses dos outros. Nisso consiste a maturidade.

4 coisas que temos que fazer

Por fim, Pe. Rodrigo ressalta um aspecto importante do Evangelho desse domingo. Jesus sabia que Bartimeu era cego e que pediria a cura, mas Ele queria ouvir do próprio cego o pedido claro. E, Bartimeu, por sua vez, pede: «Senhor, que eu veja».

Portanto, a primeira coisa que precisamos fazer é pedir como aquele cego do Evangelho, isto é, pedir a clareza que Deus nos dá no coração com sua graça. Se nós oramos e pedimos, Ele vai nos iluminar.

Ensina-me a compreender o que não posso ver; se agi mal, não voltarei a fazê-lo!

Jó 34, 32

A segunda coisa que precisamos fazer é um Exame de Nossa Vida. Todos os dias, deveríamos fazer um exame de consciência.

Examinai, portanto, a vós mesmos, a fim de verificar se estais realmente na fé. Provai a vós mesmos.

2 Coríntios 13, 5

Santo Inácio dizia que se queimassem as constituições, se não pudessem viver a regra que tinha criado para seus jesuítas, só pediria que, pelo menos, vivessem o exame de consciência diário.

O padre também recorda uma ferramenta que pode nos ajudar muito. No aplicativo de meditações Seedtime, há vários exames de consciência para nos ajudar. Seria muito bom ouvir esses exames de consciência pela noite, antes de dormir.

A terceira coisa que podemos fazer é pedir ajuda a alguém. Nossos pontos cegos, como dissemos, são cegos e, portanto, não os vemos. Por isso é muito importante pedir ajuda a alguém. Pode ser um sacerdote ou um bom conselheiro. Buscar outra pessoa que nos veja a partir de fora e nos dê um feedback.

E, finalmente, pedir a Jesus que mude nossa vida. Precisamos ser transformados pela graça de Deus. Queremos ver nossos pontos cegos para justamente curá-los. Todo processo de maturidade espiritual consiste em trocar nossos pensamentos e nossos sentimentos pelos pensamentos e sentimentos de Jesus, até que possamos dizer como Paulo: «Já não sou eu quem vivo, mas é Cristo que vive em mim».

  • Pe. Rodrigo Hurtado LC transmite todos os domingos, às 18h, a celebração da Missa através de seu Canal do YouTube.