Nesse recente episódio do podcast Café com Fé, Adriano Dutra conversou com Myrza Nebó Jambor, que é Advogada por formação, escritora e compartilha conosco seu testemunho marcante e os desafios de ser mãe de autista.

Myrza conta que, quando sua segunda filha nasceu em 1990, a Marcela, ainda bebezinha já indicava sinais de que o desenvolvimento dela não se dava como o da irmã mais velha, mas os pediatras sempre eram cautelosos e diziam para não comparar uma criança à outra. Mas, quando Marcela completou 5 meses de idade, Myrza teve um diálogo aberto com o pediatra que concordou com ela e encaminhou Marcela a um neurologista.

Naquela época, no início dos anos 90, pouco se falava sobre autismo e Myrza recorda que havia um filme estrelado por Dustin Hoffman, chamado Rain Man, mas ao chegarem ao neurologista, o marido de Myrza pergunta diretamente se o médico não acreditava que aquilo que sua filha tinha não seria autismo. 

Após os exames que existiam há época, constatou-se que Marcela era neurologicamente perfeita, mas possuía alguma síndrome de origem genética, por suas características fenotípicas. Contudo, ainda que não descobrissem exatamente o que ela tinha, os médicos recomendaram que Marcela precisava de estímulos.

Com 2 anos e meio, contudo, Marcela apresentou um desvio de comportamento mais acentuado e começaram os maneirismos, relata Myrza, e foram piorando até que em determinada noite, após ouvirem um barulho forte, os pais encontraram Marcela batendo sua cabeça no berço de madeira com muita força.

Os pais conversaram então com seu terapeuta, que lhes recomendou buscarem um psiquiatra infantil, que foi quem passou a acompanhar a Marcela na infância, mas, naquele tempo, nem os psiquiatras conseguiam bater o martelo em um diagnóstico de autismo.

Como o comportamento de Marcela só piorava, Myrza conta que tomou o primeiro choque de realidade quando prescreveram à filha o uso de medicamentos psicotrópicos. Nesse momento, a mãe relata que sua vida estava «de ponta-cabeça», pois não conseguia dar atenção à filha mais velha e os médicos a haviam aconselhado a não ter mais filhos, pois não sabiam a origem daquela síndrome, contudo, «por coisas que não se explicam, só Deus, fiquei grávida», complementa Myrza.

Seu marido, que era formado pela Universidade de São Paulo, foi até a área de estudo de genética da USP e buscou o melhor geneticista que havia ali e marcou uma consulta. Myrza não pôde comparecer e agradeceu a Deus pelo fato, pois a primeira coisa que aquele especialista recomendou a seu marido foi não terem mais filhos, mas ela já estava grávida de 5 meses de seu filho Guilherme. «Eu estava tão feliz com a gravidez e tinha tanta certeza de fé de que nada iria acontecer, que realmente não aconteceu».

Porém, ela ilustra que, com o nascimento de Guilherme, praticamente ela tinha dois bebês em casa. Um recém-nascido e Marcela, cujo desenvolvimento era mais lento e, depois de desistir de buscar a origem do autismo da filha, fez o que tinha que fazer, dar estímulos, amor e viver.

Em certo momento, seu psiquiatra recomendou a Myrza que visitasse um local que estava sendo criado por suas alunas e que era voltado a crianças com desvios de comportamento. Foi quando conheceu Paula Ayub, criadora do Centro de Convivência Movimento, que se tornou a terapeuta que trabalha até hoje com Marcela. 

«Quando acontece uma coisas dessas na vida da gente, a gente não se transforma no problema», comenta Myrza. «Eu acho que a gente escolhe no que a gente vai se transformar a partir do problema… existem dois caminhos: ou você se entrega à frustração, à tristeza, ao desespero e com isso você leva junto sua família, sua vida; ou você escolhe ser feliz». «E foi isso que eu me propus. Não foi fácil. Tive muitos dessabores, muitas tristezas, mas com o passar do tempo, as coisas foram melhorando».

O primeiro livro

Quando Marcela chegou aos 8 ou 9 anos, Myrza constata os resultados da terapia com a Paula Ayub e teve a ideia de escrever um livro sobre sua experiência. Ela diz que o que havia de literatura naquela época sobre mães de filhos com deficiência era muito romântico, e ela pensava que sua história não era dessa maneira. Dessa forma, ela escreveu sobre sua realidade, sobre como, mesmo em meio aos desafios, ela escolheu ser feliz e contou exatamente aquilo que acontecia em sua vida.

Em 1999, haviam mais de 300 pessoas no dia do lançamento do livro Marcela… uma lição de vida (editora Memnon) e uma fila imensa para ela autografar, mas ela conta que nos dias seguintes, começou a receber muitos e-mails, telefonemas e pessoas que queriam conhecer a Marcela. «Com o livro, além de ajudar as pessoas que poderiam estar passando também por isso, foi uma catarse emocional para mim. Foi muito gratificante eu escrever e terminar o livro. Acho que foi anos de terapia que escrevi num livro só».

Myrza relata também que vem de uma geração na qual os deficientes eram escondidos e, justamente por isso, ela faria ao contrário. Ela saia com sua filha para todos os lugares e ela percebe que nos 31 anos de vida de Marcela, a aceitação do deficiente, a acessibilidade dentre outras coisas, melhorou muito.

O segundo e terceiro livros

Já o segundo livro, Transformação, a dor do crescimento (Editora Memnon), foi sobre a adolescência de Marcela. Myrza tinha muito medo desse momento, pois não sabia como seria o comportamento da filha com as mudanças hormonais da puberdade. Para sua surpresa, a adolescência foi branda. Então, Myrza fala desse momento e da relação da menina com seus irmãos.

Agora já está surgindo um terceiro livro, contando sobre a fase adulta de Marcela, que possui uma autismo sindrômico. Com o surgimento de novos exames genéticos, Myrza descobriu que sua filha tem a Síndrome de Myrhe, que tinha sido descoberta em 1981, só nove anos antes de Marcela nascer. No terceiro livro a autora conta sobre a descoberta do diagnóstico e o que mudou na vida de Marcela após isso.

Nesse livro, Myrza também conta sobre como a vida da Marcela durante a pandemia de Covid e que, segundo ela, «foi um espetáculo à parte». Marcela «ficou absolutamente apropriada, comportada, colaborativa, foi um presente que recebi».

Por fim, Myrza acentua que «se eu não tivesse fé, a fé que aprendi com minha mãe, nada disso eu teria alcançado. Eu acho que não tem como não acreditar na ajuda divina e na força que Deus me deu, para eu seguir firme nesse caminho em busca da melhora dela, do desenvolvimento, da união da família, dos meus filhos».

Para Myrza, «são duas coisas muito importantes: você ter fé, tem que acreditar em Deus para passar uma coisa boa para o outro… e, racionalmente falando, a ajuda de uma terapia também é fundamental».

* O podcast Café com Fé é transmitido ao vivo toda quinta-feira, às 20h, pelo Youtube do Instituto Católico de Liderança e pelo Instagram @liderescatolicosbr. Ele também pode ser ouvido no aplicativo de meditações católicas Seedtime e nos melhores aplicativos de podcast.